Saturday, April 08, 2006


O Olho de Tebas
(poemas publicados em agosto de 2004, edição do autor)





O Olho de Tebas
E a poética dos enigmas


Guaracy Rodrigues
(poeta e Escritor)


A literatura de José Leite Netto possui a ânsia pela palavra exata de cada essência e a obsessão pelo verso curto, limpo, digital. A textura poética nos promete grandes vôos e um futuro fecundo. O curso de suas referências busca fontes imorredouras da poesia universal. Navegando de forma construtiva a urbanidade semiológica de signos vitais de sua geração.
O poeta aprendeu nas lições do corpo, a vertigem do erotismo, a luta contra o irredutível, o enigma da morte e da consciência: “A vida é uma nau a naufragar/ perdida num mar sem bússola” (Nau Frágil). Compondo painéis diversos, o conteúdo de seus poemas atravessa o psicologismo esotérico tão em voga e se dissipa na perplexidade do pós-modernismo deixando-nos uma substantiva poética de seus enigmas. O infinito de Tebas é longínquo e o eterno parece ascender os mistérios indecifráveis dos rituais iniciáticos.
O esoterismo de Fernando Pessoa transfigura o poeta e o irrita como a um sátiro. Entretanto, sua ressonância é bem profunda e benéfica. Há também rabiscos inconscientes do misticismo de um WILLIAN BLAKE e muito menos de um despojamento de WALT WHITMAN. Este sulco poético é apenas o liame de reportagem dentro da sutil imagética do poeta, pois sua seara é do horizonte do aprendizado pela inquietude.
O tempo perpassa seus poemas como um péndulo lépido e dual, corrosivo. Seus transcendentes girassóis nos remetem a seus reencontros reencarnacionitas. Tebas é eterna em seus despojos sob a égide do deus sol egípcio AMON-RA. O poeta quase delira: “O meu ser cada vez mais disperso reencarnava confundindo-se/ com o templo de Carnaque/ Transformei-me num pássaro...” (O Olho de Tebas). Caminhando numa vigília permanente entre a realidade e o sonho, o mundo carece de sentido: “perco-me, concreto / ou abstrato/ perco-me/ Os ponteiros, o meu corpo, a minha mente/ Não me dizem nada.”(O Sonho e a Vigília). Circunspecto o poeta afirma: “ A princípio/ entre dois mundos/ Resido” (Enigma). O refúgio intocável dos monges é dentro de si mesmo, e é só através da paz interior que existe a possibilidade de libertar-se. Mais uma vez escutamos o eco de Fernando Pessoa: “ Não sou nada!/ Suporto a mim mesmo,/ Das Pedras herdei o silêncio/ calo-me no que penso:/ Pesa-me o infinito.”(Herança das Pedras). José Leite Netto ainda guarda resquícios da sua admiração pelos poetas simbolistas modernos, sem perder o estro: “Entrai-vos no peito meu/ iconoclasta/ Celebrai-vos conquistas/ perdidas.”(Iconoclasta). Essa divercidade estética, o autor, revela um universo experimental em sua poética, rico em metáforas, onde busca realizar com afinco sua escritura. Acreditamos, pois, no desafio estimulante a que se propôs. Porque um poeta nasce de circunstâncias diversas, tudo é íngreme para a arte verdadeira, os livros são metáforas inacabadas da história de cada um. Principalmente a trajetória de um jovem poeta, seus caminhos são feitos de tentativas marginais e heróicas à margem do mundo da mídia. O poeta e escritor José Leite Netto, não diverge disso, o seu livro “O Olho de Tebas” sai agora da longa gestação dos inéditos, sem nunca perder seu elo vital e sua força poética, digna do talento que nele se anuncia.
Jorge Tufic, Poeta Acriano radicado no Ceará.

O Olho de Tebas de José Leite Netto, enriquece a poesia contemporânea trazendo-nos de volta a magia de sonhar como quem vive e de viver como quem sonha. Mas em qualquer desses estágios é a palavra que ilumina os objetos da escrita.
Nada, portanto, lhe escapa, nem se deixa escapar ao modo nettiano ou pessoano de clicar as metáforas do ser em confronto ao signo arbitrário.
Há momentos, nesse livro, de plenitude lírica raramente vista em toda saga de autores brasileiros da chamada modernidade.
Por tudo isso, zenetto, como também é chamado, paciente montador das peças de O Relojoeiro ( seu primeiro Livro), penetra agora e definitivamente, nos amplos domínios da palavra e do verso.
APRESENTAÇÃO

“pois o que em verdade quero
é a não poesia fingida
num pranto esgotado
e levem para fora de mim toda modernidade.”
(José Leite Netto)


Li com muita curiosidade o livro O Olho de Tebas de José Leite Netto e percebi o nível de inquietação que o leva a refletir sobre a dimensão humana, arrastando essa inquietação para o plano simbolista. Um surto de idealismo e esperança, que se vale da intuição e não da razão e da lógica, sobressai-se em todo o livro, que na primeira parte revela-se fechado e pessimista. O que pincela a Poesia de José Netto com uma tinta simbolista é o fato de não nomear os objetos que descreve, mas apenas sugeri-los. Dessa forma, em O Olho de Tebas, a Poesia é muito feita de enigmas, de sugestões, o que enche o leitor de curiosidade, numa viagem evocativa. Sobre este aspecto, convém lembrar as palavras do poeta francês Stéphane Mallarmè: “Nomear um objeto é suprimir três quartos do prazer do poema, que é feito da felicidade em adivinhar pouco a pouco; sugeri-lo, eis o sonho.... deve haver sempre enigma em poesia e é o objetivo da Literatura - e não há outro - evocar os objetos”.
A Poesia que o habita parece sentir-se vítima do mundo em que vive e por isso solta seu grito inconformado ante o fenômeno da modernidade, considerando-a irrelevante. Há uma voz inesperada que vê o mundo, não como ele existe, mas como realmente quer vê-lo, escolhendo seletivamente a beleza da simplicidade. Sua voz interior é persistente: “não/não aceito a modernidade/estou farto dela/levem daqui para paralém de mim/todos os computadores/toda engenharia elétrica/todos os psicólogos e seus remédios/quero que em mim, novamente repito,/quero que em mim surja a felicidade/dos antigos/desenhada numerologicamente na cabala/de Papus, místico/louco ou não”

O livro O Olho de Tebas contém poemas diversificados em suas temáticas. Divide-se em quatro partes: das cismas, dos sonhos, do tempo, da morte. Alguns de seus aspectos mais significativos nos dizem de um mundo fragmentado entre a solidão, a escuridão, o medo, a morte ou a efemeridade da vida. Acoplado a tudo isso, um tom melancólico, místico e intimista.
Ao mesmo tempo em que fala de “muralhas e amores em desintegrações” direciona seus versos para os que tiveram sua liberdade privada, quer nas ditaduras, quer na escravidão negra, mas também branca, referindo-se a todos os injustiçados da raça humana: canto o quanto canso/o quanto bebo/bebo à vitória/dos que já foram/presos/num passado/onde habita um dita-dor/em estado de permanência/continência/já era/havia noutra era/em mim um pássaro/à procura de livra-se/porque li-ber-da-de/era uma meta/não uma opção:/o escravizado negro/o branco/escravizado/canto o quanto canso/o quanto/bebo aos meus e aos mais/que já foram/amar em outras dimensões.

Não tenho dúvidas de que O Olho de Tebas é uma criação poética na dimensão simbolista. O poeta que em José Netto floresceu, mesmo em meio ao conflito pessoal, possui fértil campo para criação Poética.

Nilze Costa e Silva
Escritora Pós-graduada em Teoria da Literatura.